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Abcdário Musical

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Geraldo Vandré


Geraldo Vandré rompe silêncio para Tom Cardoso 28/07/2000

O cantor escolheu um restaurante árabe localizado no centro de São Paulo, a poucos metros do edifício onde mora. Chegou pontualmente no horário marcado. Vestindo um blusão preto e um boné de aviador, pediu cerveja quente e uma coalhada e reclamou da fria noite paulistana (parece ter obsessão por temperaturas). O fato de ter pedido cerveja quente já reforçaria a tese de que Vandré estivesse, de fato, louco. Vítima da tortura dos militares? Vítima do cruel ostracismo?

Mas não. Geraldo Vandré não pirou. Calmo, conversou sobre tudo. Deu opiniões curtas, mas inteligentes, sobre os mais variados assuntos. Mora sozinho há mais de três décadas. Não tem filhos e são poucos os amigos. No entanto, Vandré diz levar uma vida super ocupada para um senhor de 65 anos de idade. "Sou advogado (formou-se em direito no fim dos anos 50, no Rio de Janeiro), o único da minha região. Advogado, porém inútil", brinca.

Durante a entrevista, Vandré conversou sobre os seus projetos. Do disco que pretende gravar no Uruguai e da esperada parceria com Zé Ramalho. "Só depende dele". Afirmou não ter gostado do álbum que o Quinteto Violado gravou em sua homenagem em 1997, Quinteto Canta Vandré ("É um disco equivocado", diz) e confessou desconhecer o que a MPB tem produzido.
"Só ouço música clássica".

O músico revelou sua paixão por carros e principalmente por aviões, que o levou a escrever uma canção em homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira), Fabiana, no fim da década de 80, rompendo um silêncio de várias décadas sem compor. Sobre a atual e controvertida lua-de-mel com os militares, que em 1968, em pleno AI-5, ficaram furiosos e censuraram Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei de Flores), sua canção mais emblemática, Vandré não conseguiu dar uma explicação muito convincente. "Caminhando não era uma canção política. Era um aviso aos militares: ‘Olha gente, desse jeito não dá mais’. Eles (militares) nunca tocaram um dedo em mim
".



Tom CardosoO sr. vive recluso há muitos anos. Não dá entrevistas, não faz shows e não grava discos. Como é a sua rotina de vida? Vive do que hoje em dia?
Geraldo Vandré
Sou advogado, o único da minha região. Advogado, porém inútil (risos). Tô sempre muito ocupado, muito mais do que muita gente da minha idade. Quando estou em casa, com o tempo livre, componho, mas não tenho pressa para gravar discos.

Tom Cardoso
Zé Ramalho, seu conterrâneo e amigo, disse que o sr. concordou em gravar um disco com ele. Quando vão entrar em estúdio?
Geraldo Vandré
A gente combinou sim. Mas ele não me ligou mais. Deve estar ocupado com o novo show, que é muito bom. Fui assistir outro dia, gostei da regravação de Caminhando.

Tom Cardoso
O mesmo Zé Ramalho também confirmou que o sr. tem canções inéditas belíssimas guardadas. Por que tanto tempo sem gravar um disco?
Geraldo Vandré
Por que vou atender as exigências do mercado de gravar um disco por ano? A maioria das minhas canções eu compus em espanhol. Pretendo primeiro lançar um disco no Uruguai. Estou indo para lá estudar um pouco de música.

Tom Cardoso
O Quinteto Violado gravou em 1997 um disco só de canções de sua autoria. Chegou a ouvi-lo?
Geraldo Vandré
Ouvi. Tem uma série de coisas equivocadas neste disco. As pessoas fazem tudo com muito pressa.

Tom CardosoO sr. ficou marcado como um compositor de protesto. Alguma dessas canções novas têm essa característica?
Geraldo Vandré
Nunca fui um compositor de protesto. Sou um músico de formação erudita. Ouço Villa-Lobos, Wagner...

Tom Cardoso
Mas muitas das suas canções são sim de protesto, Caminhando, Canção da Despedida, e estão longe de ter um perfil erudito.
Geraldo Vandré
Não quero falar do passado. Ouça essa minha canção, que eu acabei de compor, ainda não tem título (começa a cantarolar um tango em portunhol): "Hoje cantor de mi tango/ Um tango do meu viver/ La Pampa, larga e serena/ Nela, vou renascer/ E há o outro lado, Argentina/ Que parte de mi querer".

Tom Cardoso
O sr. pode mostrar alguma canção inédita em português?
Geraldo Vandré
Eu fiz essa música para a FAB (retira da bolsa um cartão com a letra de Fabiana, com um brasão da Força Aérea desenhado no verso).

Tom Cardoso
Não é estranho alguém que protestou contra a ditadura militar hoje compor músicas em homenagem à Força Aérea?
Geraldo Vandré
Vocês não entendem, nunca entenderam (irritado, bate com força a colher com coalhada no prato). A minha relação com os militares não foi política e nunca vai ser. Caminhando era um aviso: "Olha gente, desse jeito não dá mais".

Tom Cardoso
Muita gente tem convicção de que o sr. foi torturado na época do AI-5, por causa dos polêmicos versos de Caminhando ("Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão ).
Geraldo Vandré
Nunca fui preso. Eles (militares) nunca encostaram um dedo em mim. Aproximei-me da FAB porque voar sempre foi uma paixão de criança. Veja o início da letra de Fabiana, diz assim: "Desde os tempos distantes de criança/ Numa força, sem par, do pensamento..." Sou fascinado pela mecânica dos aviões e dos automóveis desde criança. Tenho dois carros em casa, um Fiat Palio e um Fusca. Hoje prefiro mexer num motor de carro do que compor uma música.

Tom Cardoso
O sr. esteve visitando o Wilson Simonal no hospital um pouco antes de sua morte (em junho deste ano). Não te incomodou o fato dele carregar por muito tempo a fama de delator na época da ditadura?
Geraldo Vandré
Isso foi uma grande injustiça. Não fizeram essa acusação porque ele era preto e rico. Senão, tinham feito o mesmo com o Jair (Rodrigues). Era porque ele era um cara petulante, tinha aquele jeitão, mas nunca dedurou ninguém. Tenho certeza disso.

Tom Cardoso
Se alguns dos seus antigos parceiros o convidassem para compor de novo, o sr. aceitaria?
Geraldo Vandré
Acho que sim. Estive assistindo o show do Baden (Powell) recentemente. Um grande show, um grande artista.

Tom CardosoO sr. soube que ele se recusa a cantar os seus afro-sambas (em parceria com Vinícius de Moraes) depois que virou evangélico?
Geraldo VandréÉ sério? Que grande maluquice (risos).

Tom Cardoso
O Caetano Veloso contou em seu livro, Verdade Tropical, que o sr. brigou com ele e com a Gal Gosta por causa da música Baby. O que acha do movimento tropicalista?
Geraldo Vandré
Achava Baby uma m. e hoje acho mais m. ainda (risos). O Rogério Duprat (maestro e arranjador da Tropicália) deve ter ficado surdo de tanto ouvir a barulheira dos tropicalistas.

Tom CardosoO sr. ouve música? Vê televisão?
Geraldo Vandré
Ouço só rádio, a Cultura AM, que toca música clássica. Tenho um aparelho de TV branco e preto em casa, mas raramente ligo.

Tom CardosoJá ouviu Chico César?
Geraldo Vandré
Nunca ouvi falar. Da onde ele é?

Tom Cardoso
Da sua terra, a Paraíba.
Geraldo Vandré
Não sei quem é. Vivo em outro mundo.


Créditos e Fonte:

Tom Cardoso
28/07/2000

Entrevista Completa no endereço abaixo, detentor de todos os direitos.

www.cliquemusic.uol.com.br



Eu fico imaginando se Geraldo Vandré estivesse na ativa desde quando retornou, com seu dom musical genial, crêio que muitos brasileiros que nem conhecem o seu nome ou jovens que nem sabe quem ele é, teriam um conceito muito mais abrangente em qualidade musical. Pois, hoje em dia, basta ter um rosto "bonitinho", ter um belo "bumbum"...o talênto musical não seriam avaliados por quesitos medíocres deste escalão.

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